vistodaprovincia

9.13.2014

Doutor Crato: faça as contas!





Nuno Crato não sabe matemática suficiente

para ser Ministro da Educação.

Porque quem só sabe de Matemática 

nem de Matemática sabe.[1]


Muitos que leiam dirão que ensandeci. Logo eu que não passei do 9º ano de Matemática e de umas cadeiras de estatística na faculdade.
Afinal digo isto do Senhor Matemática. Aquele doutorado em Matemática que passou anos a cimentar o caminho para chegar a Ministro, a alegar a geral ignorância matemática do país mas que mostra hoje, à exaustão, que o seu elevado conhecimento não atinge as coisas simples e pragmáticas e que deixa que o seu amor pela ciência seja pervertido em injustiça. E não quero acreditar que tenha consciência disso. Era muito mau.

Para explicar:
Imaginem que queriam medir uma realidade qualquer. Por exemplo, o custo comparado de uma mesma refeição em vários restaurantes.

Provavelmente, o método mais simples era calcular o preço de cada um dos ingredientes de cada refeição. A quantidade de alguns mede-se em litros (vinho ou água, por exemplo), a de outros, em unidades de tempo (o tempo de trabalho do cozinheiro gasto em cada uma) e ainda, a de outros, em unidades de peso (kg de carne ou grama de manteiga).
Para comparar o custo de cada refeição era preciso fazer contas do tipo: x kg de carne, multiplicados pelo custo em euros por kg; y centilitros de vinho, multiplicados pelo custo em euros de cada centilitro (na minha escola primária dizia-se que se reduzia de litro a centilitro); custo em euros do tempo de trabalho do cozinheiro na confecção da refeição, etc e tal (sendo que o tal era repetir a operação até determinar em euros o custo de cada parcela envolvida na confecção e depois somá-las).
No fim, chegaríamos a resultados comparáveis entre si em euros, para cada refeição, correspondentes a um preço comparável com outros porque todos foram calculados pela mesma metodologia.
Se duas pessoas diferentes calcularem preços muito diferentes, por exemplo, se a mesma sopa, do mesmo restaurante, custar para o Manuel, 25 euros e para o José, 2,5 euros, um deles, ou até os dois, estarão provavelmente errados.
Agora imaginem que para comparar a realidade conceptual “competência de um professor para ser contratado no Ministério da Educação português” em vez de usar, para produzir a fórmula de comparação, valores baseados na mesma unidade, somo, e diga-se isto de forma simples, alhos com bugalhos, kgs com litros, horas de formação com anos de serviço (sem critério nenhum, sem equilíbrio de pesos e sem, como se diria na instrução primária, reduzir à mesma unidade) e que meto tudo, tipo salada, dentro da fórmula. E adiciono percentagens de realidades cuja quantidade é medida em unidades e escalas diferentes.
E imagine-se que, no fim, ao comparar o resultado (a classificação obtida para cada professor, que indica o nível da sua competência para ser contratado) o resultado era diferente, conforme se estava a concorrer em Faro ou em Bragança (cá sei porque me lembrei desta terra…) e isto para leccionar a alunos de anos semelhantes, com perfis semelhantes, à mesma disciplina. O Manuel concorre a Faro e fica pontuado com 35, por exemplo, mas, em Bragança, já vale 65 …. (o Manuel não existe mas os exemplos reais são ainda piores).
Adeus país unitário, viva a micro-regionalização da selecção de professores!
E já nem digo que cursos da treta de 25 horas podem valer mais que décadas de experiência lectiva.
E porquê? Porque as fórmulas em cada escola são conforme dá na veneta do seu director, e, saídos os resultados, continuam secretas, e nem se pode discuti-las porque recusam mostrá-las na sua totalidade e o procedimento inclui a soma de percentagens de valores, calculados com unidades diferentes e não convertidos à mesma unidade (o que significa que é impossível reconstruir a forma como as contas foram feitas sem ter a fórmula usada ainda que se tenham todos os dados: o que significa que foram feitas ao calhas).
Crato quis ser Ministro. Diria mesmo que desejou ardentemente. Por isso, não pode alegar má vontade no julgamento. Paula Teixeira da Cruz de certeza que não quis que o Citius borregasse e deve julgar que fez o possível para o evitar. Pessoalmente talvez não seja responsável mas é-o politicamente porque, por muito bem intencionada que seja, o facto é que o sistema está parado e a gerar a injustiça de não haver Justiça.
Crato tem o mesmo desafio. Para se acreditar que não é politicamente responsável pelas trapalhadas e injustiças da Bolsa de contratação de escola, que afectam milhares de pessoas, quer os candidatos quer as suas famílias, tem de fazer o seguinte acto simples: pedir as fórmulas de cálculo usadas em cada escola na Bolsa de contratação de escola, que nem os candidatos viram. Depois faz algumas contas simples e percebe os efeitos de injustiça gerados pela matemática ao acaso que se usou no caso. (Por exemplo, como se soma 50% de uma coisa, medida numa escala de valores, cuja base é 0 a 20, com 50% de outra em escalas de 0 a 100 pontos? Na minha instrução primária explicaram-me como se faz; a DGAE ainda precisa de estudar isso).
Para quem tanto disse que a Matemática faz falta à sociedade e até à justiça e equilíbrio social não há-de ser um esforço muito grande fazer as continhas.
Se fizer as contas estou certo que percebe. Meia hora depois despede os informáticos que fizeram a bolsa de contratação.

Nota final:
Este assunto já cheira mal tal a podridão de imoralidade a que se chegou.
Para abordagens mais profundas (e com o desgosto de ver que a irracionalidade vence, porque já ninguém tem tempo de ler explicações, que sejam um pouco mais complexas, e, por isso, se aceita a simplicidade da injustiça) relembro os textos deste blog que se seguem.  Pode ser chato mas bem mais incómodo é ver a injustiça e não fazer nada.



[1] Esta frase é uma adaptação livre da frase de Abel Salazar, ilustre médico que deu nome a uma instituição de ensino e investigação de excelência da Universidade do Porto e no seu caso queria dizer que quem usar a medicina sem pensar nas pessoas vai ser mau médico.