vistodaprovincia

1.02.2012

Directores com vontade de se demitirem .....

Fico…e num ficar, apesar de tudo, sem me marimbar….

Colegas directores de escola (através de representantes das associações de que não faço nem quero fazer parte) andam pelos jornais a dizer que “boa parte” se vai embora. Tive notícia disso nestes textos, por exemplo.

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/ensino/boa-parte-dos-directores-vao-embora

http://educar.files.wordpress.com/2011/12/add_diretores_pc3bablico.jpg

http://www.ionline.pt/portugal/ensino-directores-escolas-revoltados-avaliacao

Uma parte do descontentamento verbalizado tem a ver com o processo de avaliação dos directores, que terminou estes dias, e que, como outros processos de avaliação por essa administração pública fora, foi atabalhoado e ate incompreensível.

Recebi o meu adequado e tinha dito antes que só protestaria se recebesse menos que isso. Há limites para a tolerância e os meus eram esses. A ambição de ser excelente ou relevante na minha vida profissional consiste num processo interno meu que não precisa de atestados públicos. Na minha presunção individualista (que os que me conhecem bem sabem ser um dos meus encantos, que mais se estranha antes de se entranhar nos que gostam de mim) não considero que ser avaliado de excelente ou relevante pela DRE, com base nuns critérios esotéricos, valha gastar muita saliva ou tinta. Por isso, cumpri o formalismo e sujeitei-me ao resultado. E se não me queixei pelas vias formais (reclamação escrita) não foi para agora andar nos jornais a lamentar-me. Depois do resultado telefonei para quem tem responsabilidades nisso, a sugerir que os Excelentes nos deem formação (a mim, incluído) para sabermos como fizeram e aprendermos…..

Na verdade, olho a ideia de Excelência de uma forma peculiarmente pessoal que inclui factos da experiência individual infantil e juvenil altamente condicionantes. (Já sei que muitos criticarão a menção a resultados escolares de há 20 anos mas sempre que me pronuncio sobre estas coisas da Excelência acabo por ter de me lembrar que entrei para a faculdade com 20 valores de media e, portanto, entre outras, acho que essa evidencia, como agora barbaramente se diz, me permitiria fazer algum discurso sobre o que seja Excelência, vivida em cada momento do quotidiano). Mas poupo-vos a esses discursos, como gostaria de ter sido poupado aos discursos laudatórios da cabulice de alguns políticos portugueses, que tantas vezes vêm em revistas e noticiário político, como parte do anedotario que os tenta humanizar e lavar de outras faltas.

Portanto, conformo-me com o meu adequado, e tirando o detalhe, com certeza lateral no sistema em vigor, de fazer o meu melhor em superação todos os dias, as tantas não me esforcei muito para o mudar. Quem ler a minha Auto-avaliaçao (ou conhecer aqui, o que se diz sobre o agrupamento em que me incluo http://www.escolasdarque.com/portal/images/stories/docs/AEE_10_Ag_Darque_R.pdf)pode perceber como não ando no caminho certo para o reconhecimento público que ilustradamente Miguel Esteves Cardoso chamou a via do “Não fazer ondismo” (ele falava de outra coisa mas fiquemos por essa apenas….)

Avaliação adequada, demissão inadequada, massa amolecida….

Por isso, demitir-me por causa da minha adequada avaliação individual foi coisa que não me passou pela cabeça. Em Janeiro, do ano passado (governavam Sócrates e Alçada) propus-me demitir-me por causa de questões estruturais do sistema, entre elas a tropelia moral que foi instaurar, de certa forma que nem vale a pena voltar a explicar, a avaliação dos nossos colegas professores e educadores.

Uns meses antes, numa reunião com um DREN Adjunto lembrei pela primeira vez em publico os tais resultados escolares de há 20 anos, para explicar, irritado com o seu topete, ao ilustre senhor (que nos vinha dizer que, como directores e coordenadores, tínhamos de avaliar mesmo fora da lei e que os professores eram como a massa esparguete - amoleciam se fossemos a agua…) que o meu descontentamento com o sistema que ele defendia nada tinha a ver com aversão a ideias de busca de excelência no trabalho e desempenho. Afinal sabia bem o que era, da experiência vivida e comprovada e lhe não admitia tal desconfiança. Este episodio teve largas testemunhas e felizmente não fui o único director de escola a agir assim naquele momento.

A demissão falhada na Alfandega do Porto


Mas houve quem se calasse e colaborasse. Muitos colegas meus testemunharam o que disse em muitas dessas ocasiões e em frente a Ministras, Secretários de Estado, DRE e outros. Há uns meses no estertor do socratismo (pastel pseudo-politico que sempre recusei consumir mesmo quando militava no PS) numa reunião de directores, realizada na Alfandega do Porto, enquanto outros escreviam moções quilométricas para induzir ao suposto dialogo com a tutela fiz uma proposta simples e curta de linhas: ameaçarmos de forma clara com a demissão para mostrar a nossa força. Essa moção, radical, teve menos de meia dúzia (!) de votos em centenas de presentes, incluindo-se neles um adjunto e a subdirectora que me acompanhavam. E as razoes que me levavam a achar que devíamos ameaçar demitir-nos eram simples de enunciar:

1. Solidariedade com os professores e educadores e a forma como o Ministério gere (e nos põe a gerir) a relação com eles em matérias como avaliações e promoções e, em geral, a concepção de sistema educativo.

2. Protesto contra a forma como são dimensionadas as relações com a tutela em matérias, por exemplo, como a gestão de compras e fornecimentos ou a forma como a nossa capacidade de intervenção como dirigentes acaba desvalorizada (qualquer boyzito ou girlzita da Segurança Social ou de qualquer órgão de outro ministério acha que pode mandar e ditar leis nas escolas e, muitas vezes, a nossa tutela ajuda….). Em suma, protesto por sermos paus para toda obra, mal pagos e desvalorizados (apesar de sermos um dos poucos corpos dirigentes da função publica a quem se exigem requisitos prévios de formação em gestão e experiência para o serem). Isto na linha do que escrevi neste blog em Outubro de 2010 e na expectativa de produzir respostas para as perguntas aqui colocadas. http://vistodaprovincia.blogspot.com/2010/11/directores-de-escola-dirigidos.html

Podia registar com agrado que alguns, que na altura gozaram com a proposta, a que só aderiram meia dúzia de gatos-pingados agora votariam noutro sentido e andam nos jornais a fazer a ameaça. A proposta foi recusada e continuou-se o caminho do diálogo que, com um solavanco eleitoral pelo meio, nos trouxe ate aqui.

A Demissão que nasce não vai ser para todos….

Pode não ter interesse (porque o que um parolo de Viana acha não interessa com certeza a quem nessa votação da Alfandega verbalizou, por exemplo, que não se demitiria por medo de que facilmente o Governo arranjasse substitutos…. que não fizessem tão bem o que estavam a fazer) mas explico-vos agora como vejo esta ideia de demissão que agora nasce. Primeiro, registo a ideia geral de que, para mim, o cemitério esta cheio de gente que se julgava insubstituível…..

Há razoes para me demitir e que me desanimam: faço há 54 meses a gestão de 5,5 milhões de euros anuais, sem ferias, sem horas, sem tempo para as coisas que gosto, num serviço com 6 instalações físicas, 2200 clientes directos (alunos e formandos) mais os pais, que serve centenas de refeições por dia, que tem mais de 250 funcionários (entre docentes e não docentes), com 4 ou 5 projectos do POPH para gerir e que se assume como a maior entidade de acção social de uma comunidade socialmente deprimida. Já fui ameaçado e agredido. Ouço historias e casos lancinantes de carência e miséria que tentamos resolver sem meios e, muitas vezes, incompreendidos por quem tem a função. Mas gosto do que faço, que escolhi livremente fazer (e lutei judicialmente para tal) por achar que faço alguma coisa para compensar o privilégio que tive de estudar e ter uma vida sem carências.

Mas, muitas vezes, ponho-me a olhar para o que escolhi perder e gostava de o recuperar. O salário líquido não compensa e consiste para mim em 1545 euros mensais (incluindo subsidio de refeição e o suplemento de direcção). Estou entre os 20% mais mal pagos do corpo docente do meu agrupamento e qualquer adjunto de Secretaria de Estado sem responsabilidade e, tantos sem currículo, ganha mais …. Como trabalho mal, tive uma redução-premio de 20% do meu rendimento anual para 2012.

Há razoes que animam: algum reconhecimento dos colegas, pais e alunos (que não descrevo aqui para isto não ser uma gabarolice pura) e a sensação de que cumpri o que me comprometi com mais 3 queridos colegas quando pus o Ministério da Educação em tribunal em defesa de um projecto de mudança para o agrupamento. (http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/c28e808617a7740380257281003923a6?OpenDocument)

No ano passado, a vida particular, a consciência do que esta mal no sistema e a emoção da perda da minha mãe – que também ela deu cabo da saúde a viver a escola – deram-me vontade de desistir mas a comunidade (com assinaturas e votações maioritárias) instou-me a levar o mandato ate ao fim. E la chegarei mas dai não passarei.

Por isso, a não ser que haja um movimento nacional de Directores, com debate e reflexão estruturada, e não com eminências relativamente pardas, a mandar ideias para o ar, não penso na demissão. Daqui a 14 meses estarei liberto do meu compromisso com a comunidade em que vivo e regressarei com gosto para as aulas. A antecipação desse desejo ate podia fazer com que fosse cómodo sair agora mas a lealdade democrática face ao que decidi, perante a comunidade do meu agrupamento, depois também de perceber que estava sozinho a pregar a posição de força dos directores, face a mal orientadas politicas publicas educativas, leva-me a marimbar-me para estas movimentações.

Se os líderes das associações querem discutir a demissão colectiva então comecem por estruturar uma lista de ideias para o sistema, dignas do conhecimento que dele temos como colectivo de dirigentes com formação e experiência. Chamem directores, subdirectores e adjuntos (e outros) e debatamos. Isto implica tomar posições claras e avançar com coragem em nome delas. Há uns meses propus isso, em nome também da solidariedade com os outros professores, e perdi esmagadoramente. Agora fico e espero que outros iluminem o caminho. Pelos vistos já há lanternas……

Luís Sottomaior Braga

Etiquetas: ,