vistodaprovincia

11.23.2010

Entre a amputação e a regionalização…. A ministra ri-se, mas dá vontade de chorar

Fui militante do PS, saí em 2005, levando ao extremo o meu descontentamento e desconfiança de Sócrates. Brevemente, muitos começarão a dizer que nunca com ele estiveram mas, no meu caso, posso demonstrá-lo.
Uma das razões do meu descontentamento com o PS foi a forma como lidou com a regionalização. Ou melhor, não lidou, matando a ideia.
O grande argumento para a regionalização é que há coisas demasiado grandes para os Municípios e outras demasiado pequenas para os Ministérios e Direcções Gerais.
Mas, mais do que este argumento de tamanho dos assuntos e da ferramenta orgânica para os resolver, há o argumento da legitimidade. Os organismos desconcentrados que existem hoje resultam dessa percepção (que é preciso aproximar as competências ministeriais aos locais, sem as atomizar nos municípios). O problema é que não têm legitimidade política: são desconcentrados, não são regionalizados. Vêm do centro para o povo e não emanam do voto popular.

Entidades administrativas regionais: entre a legitimidade e a utilidade

Os municípios são uma colectividade política em que os dirigentes máximos (presidentes de Câmara) têm uma legitimidade política e, portanto, ainda que sejam do partido do Governo podem bater o pé a este porque não dependem totalmente das lógicas políticas internas do partido. Sócrates pode ser do mesmo partido de Costa mas este último pode criticar a tolerância de ponto em Lisboa, sem o risco de ser demitido por quebra de lealdade política.
As entidades regionais que existem na nossa administração podem cumprir funções administrativas importantes mas, a verdade é que têm falta de um elemento central de operatividade, para que a sua desconcentração seja mais eficaz: legitimidade política. As regiões actuais do continente (CCR) não são colectividades políticas mas sim meras conjunções de território. Se os dirigentes regionais fossem eleitos teriam de responder pelas suas despesas e medidas em actos eleitorais e não, como hoje, depender da nomeação do governo.
Assim, por exemplo, o Director Regional de Economia do Norte ou de Educação do Norte representam na sua acção o Governo, e não o Povo que servem. Daí que possam executar, no Norte, políticas que servem o Sul em nome da ponderação do interesse do país. Como dependem politicamente, para ser nomeados e exonerados, do Governo devem obediência a orientações centrais e, em princípio, podem ser demitidos se actuarem ou emitirem juízos contra políticas do Governo.
É isto (a dependência política) que faz com que muitos queiram a extinção das Direcções Regionais de Educação. A ironia é que, muitos que votaram contra a Regionalização, que criaria regiões como entidades políticas, querem a extinção das Direcções Regionais porque são correias de transmissão do governo. Isto é, porque são entidades regionais sem legitimidade pelo voto (que a regionalização traria).
A proposta que agora a FENPROF vem emitir de extinção das DRE sofre deste problema. Mário Nogueira não é um especialista mas emite opiniões que, pelo seu impacto, merecem ser discutidas.

Extinção das DRE: a inutilidade, a moralidade e a complicação

Segundo cita o Público, a proposta de extinção das direcções regionais de Educação foi apresentada no final de uma reunião com o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho.
O dirigente da FENPROF defendeu que “há opções que devem ser tomadas”, entre as quais a extinção das cinco direcções regionais de Educação do país, que considera servirem apenas para “complicar a vida às escolas e não terem resposta para nada”. “Ninguém fez contas de quanto se pouparia se as direcções regionais de Educação fossem encerradas e se as escolas no âmbito das suas competências tivessem um relacionamento directo com a direcção-geral. Ninguém fez contas porque há gente acomodada, encostada, que convém por ali ficar”, afirmou.
Mário Nogueira também não fez as contas e permitam-me dizer, se fizesse contas, verificaria que a sua proposta resiste mal a uma análise informada.
Na minha perspectiva imediata Mário Nogueira está como os médicos militares na 1ª Guerra Mundial: para qualquer problema mais complicado faziam uma amputação. Felizmente que a medicina evolui e as amputações são cada vez mais raras e prefere-se a reabilitação.
Mas, esta justificação múltipla (poupança, complicação, inutilidade informativa, relacionamento directo com a Direcção geral) merece análise mais detalhada.
É obviamente fixe, como diriam os meus alunos, defender a extinção de coisas que custam dinheiro, nos tempos que correm. Fica bem e dá-nos um ar de ousadia. Mário Nogueira costuma, como muitos sindicalistas (e simpatizo muito com ele, não fique a ideia contrária), reforçar as suas opiniões com a referência subtil ou directa ao número de associados da FENPROF, entre os quais me conto como sindicalizado no SPN. Mas, por muitos milhares de sócios que tenha, e que ficam agradados com a ideia da extinção das odiadas DRE, a verdade é que os argumentos não são muito sólidos. A poupança não será muita. É verdade que as DRE complicam e muitas vezes não informam nada mas a Direcção Geral (na verdade, são pelo menos duas a DGDIC e a DGRHE) também não e não é por isso que se lhes vem pedir a extinção. Se lá estiver gente mais informada talvez corra melhor e o problema até pode não ter solução porque com a trapalhada de leis e normas que os governos têm feito ás vezes é difícil descortinar sentido nos diplomas e circulares.
O argumento do “relacionamento directo com a Direcção Geral” é realmente original mas é exactamente um argumento a favor da existência das DRE. Só dou um exemplo: as escolas são as entidades validantes do concurso de professores. Quando há dúvidas, chegamos a estar horas de telefone colado à orelha para tentar chegar à fala com alguém do call center da DGRHE que, depois, pouco é capaz de esclarecer. Isto, porque são mais de 1200 entidades a relacionar-se directamente com a “Direcção Geral”. O Mário Nogueira que me desculpe mas desta vez cavalgar a onda do “menos Estado”, às tantas por indução da presença de Passos Coelho, levou-o a defender uma coisa popular mas que, infelizmente, alguns estudos básicos sobre organização territorial de um Estado moderno lhe dirão que não é muito correcta.

4 níveis de gestão escolar: Escolas, Municípios, Regiões e Estado

Agora que as DRE não estão bem, tem razão. Mas mais valia encarar o problema da gestão do sistema educativo de forma integrada, devolutiva e sistemática e perceber que este sempre terá de ter 4 níveis: as Escolas (onde os sindicatos têm alguma reflexão consolidada e correcta), os Municípios, as Regiões e o Estado.
As escolas têm logística a menos. Há pouca gestão nas escolas. As mudanças do sistema organizativo que tem havido são amadorísticas e fazia sentido, em vez dos actuais Chefes de Serviços Administrativos (com outro nome, mas vamos usar o conhecido), ter um gestor profissional para a componente administrativa e financeira. Dependente do órgão máximo de gestão – Director ou Conselho Directivo (ou outro nome qualquer) – mas especializado. Isso daria unidade de gestão (expressão que o actual ministério pôs na moda mas que usa, porque é fixe, praticando pouco o princípio inerente).
Os Municípios já estão com competências a mais e não as deviam ter nunca em aspectos com interferência no dia-a-dia do funcionamento interno com os alunos em aprendizagens (por exemplo, AEC). Os municípios deviam só afectar recursos e gerir sistemas de apoio (manutenção, transportes e acção social). Talvez nem os funcionários deviam ser deles e, muito menos, contratarem professores. Essa função devia ser gerida pela escola (situada como está no core – no núcleo central da actividade escolar), o que não quer dizer ser à dimensão da escola (não cabe aqui, mas a ideia da selecção de professores pelas escolas é um daqueles disparates populares cuja praticabilidade é muito discutível).
As regiões deviam gerir a integração entre municípios e escolas e tratar de tudo o que não tenha âmbito nacional (vejam bem perto do Norte a Galiza). Por exemplo, estou firmemente convencido que a gestão regional dos concursos (com uma fase integrada nacional) podia ser a salvação destes, em vez da atomização perspectivada na actual e confusa situação das chamadas ofertas de escola.
As competências da DGRHE e DGDIC deviam ser entregues às DRE (reabilitadas) e cada uma orientar as funções como muito bem entendesse. Mas, para isso, teriam de ter legitimidade política, devendo os DRE ter a sua legitimidade sustentada em órgãos regionais eleitos. Por exemplo, serem os vogais com responsabilidade na competência da educação na Junta regional.

Boys, acomodados e protegidos ou eleições?


Muitas das questões à volta de boys, nomeações e acomodados, e outras que a discursata de Mário Nogueira sugere, seriam resolvidas por esta via eleitoral e de legitimação popular. Mas se Mário Nogueira quer resolver verdadeiramente estas questões tem um caminho: olhar para os processos de selecção e ver como essas coisas acontecem. As requisições têm listas públicas e a nomeação de dirigentes resulta de concursos. O problema é que há muitos concursos com a fotografia dos candidatos… mas nunca vi Mário Nogueira denunciar um caso que fosse. Aliás, lamento trazer aqui questões particulares mas, em tempos, movi um processo judicial contra o Ministério da Educação por causa de umas eleições numa escola que uma DRE tinha gerido para facilitar a vida a alguém, permitindo requisitos de candidatura que protegiam os meus oponentes. E quando contactei a FENPROF, não me passou cartão e até me desanimou…. Felizmente advogadas competentes ganharam o processo contra a DRE e Ministério nos tribunais. Provamos um ponto.
Portanto, na “luta contra as DRE”, nova variante da luta contra o bicho da fruta, já dei contributo relevante mas, como estas coisas devem ser sérias, há que salientar que são duas visões bem diferentes, lutar contra actos concretos ou defender reformas administrativas baseadas na extinção.
Mário Nogueira fala dos protegidos do regime nas DRE. Como não sou protegido de ninguém posso também falar de outros protegidos e de alguns que também estiveram na asa de outras protecções. Por exemplo, alguém esqueceu a longa tradição sindical da passionária das DRE, Margarida Moreira?
Estes argumentos moralistas, para falar de reformas administrativas, são um mau princípio de discussão. Quem leu o texto acima verificará que a minha linha de pensamento é a regionalização, com redução das Direcções Gerais e diversidade de política educativa por regiões (porque hoje é toda igual no território). Isto até nem afecta muito os sindicatos pois já estão regionalizados. Mas, em vez da amputação das DRE, leva à sua reabilitação.

Uma amputação que faz rir….

Tenho uma grande tendência para metáforas ortopédicas. Talvez porque um grande facto de viragem na minha vida foi uma grave fractura femural que podia ter feito com que deixasse de andar aos 21 anos. Nessa altura, os médicos foram confrontados com 2 hipóteses. Para restaurarem o meu movimento, ou removiam a cabeça do fémur e teria uma recuperação rápida, mas perdia as vantagens de a ter, e ía fazer-me falta quando fosse mais velho, ou a restauravam e condenavam-me a quase um ano de fisioterapia. Seguiram a segunda hipótese e as coisas correram bem. Mário Nogueira amputa as DRE, eu digo que precisam de fisioterapia e irrigação democrática.
A minha visão tem ao seu lado umas leituras e uns estudos sobre reforma administrativa, Mário Nogueira tem milhares de filiados.
Como Mário Nogueira não estudou realmente o assunto, a Ministra permite-se rir dele. Ridendo castigat mores, a rir se castigam os costumes, já dizia Erasmo.
A verdade é que a reacção da Ministra dá vontade de chorar. Respondeu: “Quem gere o Ministério da Educação são os responsáveis do Ministério da Educação. As propostas de reestruturação partirão da tutela.” Faz lembrar aquela rábula do presidente da junta…. E depois dizer que a FENPROF não é a entidade competente nessa área, não quer dizer nada que já não saibamos.
Mas que a FENPROF pode pronunciar-se sobre isso, não há dúvidas. Basta que eu sou um professorzeco e também posso. É pena que a organização sindical não use a sua força para olhar o problema da organização territorial da administração escolar com mais consistência, sendo ele, como se verifica, tão interessante, relevante e a precisar de estudo.
Agora, a ministra continua agarrada às visões top-down (de cima para baixo) que são precisamente a origem da razão que leva alguns a querer extinguir as DRE.
E os nossos deputados, perante isto, riem ou choram? È que a regionalização é um assunto seu.